Memórias à Flora da Pele – Sofia Beça convida o fotógrafo Paulo Pimenta[:]

Quando:
15 Março, 2014_29 Junho, 2014 todo o dia
2014-03-15T00:00:00+00:00
2014-06-30T00:00:00+01:00
Onde:
Sala da Capela
[:pt]Memórias à Flora da Pele - Sofia Beça convida o fotógrafo Paulo Pimenta[:] @ Sala da Capela

Mesmo que alguém fosse capaz de expressar tudo o que está no seu interior, não o conseguiríamos compreender.”*

Quatro anos depois de Escultura Cerâmica Hoje – 5 Autores Potugueses e O Antes, O Durante e O Depois releio os textos que escrevi para exposições de Sofia Beça. O percurso continua a ser desenhado no esforço de ver respondida uma inquietação humana: Qual o melhor caminho?

Talvez pelas pedras da calçada com atenção às que se soltam ou deslocam do seu lugar; ou saltitando de telhado em telhado incerta da estrutura que o sustenta; ou, quem sabe, correr sem destino atenta à sensação do vento a tocar na nossa pele, que nos congela o rosto, enquanto o corpo liberta um calor que nos humedece.

Na ausência de representações miméticas, as manifestações plásticas da Sofia Beça ficam marcadas pela utilização da cerâmica e, nos últimos anos, pela conquista de um espaçi no qual é evidente a crescente depuração, quer no tratamento da matéria, como na síntese formal.

A exposição Memórias à flor da pele transporta-nos para o que está simultaneamente longe e perto de nós ou para o modo como o passado pode ser ativado para o presente – que neste momento se torna, incontornavelmente, passado. Momentos da experiência vivenciada e acerca da qual fará sentido exaltar a intensidade ou dimensão que nos arrepia o corpo e nos abala a alma. A pele que, nos trabalhos da Sofia Beça, possui expressividade e catarse, de purgação. Pele de texturas e tonalidades que sugerem pequenas explosões contidas, automatismo quotidianos, intermináveis repetições de gestos, acções organizadas, percursos e rotinas realizadas aqui, nesta terra, com a terra, com a argila que absorve, como nós próprios Absorvemos…

Memórias à flor da pele é igualmente título de uma obra em parceria com o Paulo Pimenta. Duas reflexões sobre o si – self – de estutura  não-linear e não cronológica que resultam numa espécie de diálogo espelhado onde se gravam registos framentados através e entre os quais nos poderemos encontrar ou reencontrar. Uma escrita a duas mão que no trabalho do Paulo Pimenta é sempre entendida como um momento de partilha.

As suas fotografias são como mergulho profundos, discretos, complexos e silenciosamente perturbadores. Partilhas do sentir pelo ver e que, bem distinto do olhar desatento do quotidiano contemporâneo, se cravam em nós. São viagens de, pela e sobre vida – pelos lugares dos nossos mais diversos eus. São corpos que encarnam personagens e que espelham fantasias, fantasmas, o agridoce dos momentos, dos seres humanos, de lugares mais próprios ou mais distantes, inquietando os nossos mais íntimos segredos e medos.

Assim, exprimem-se sentimentos tão diferenciados e tão próximos como a paixão ou a mágoa, o amor ou a perda, sensações e emoções que de tão silenciosamente se conterem, parecem aproximar-se da implosão. Qual será o caminho?

Talvez encontremos resposta caminhando…, “desenhando e esculpindo a diferentes ritmos, velocidades… sem pressa, mas em direcção a um objectivo agradável (Rousseau, Jean-Jacques, 1712-1778) no qual o tempo e a maneira como se desfruta dele, sem saber o que sucederá após o passo seguinte, estimula-nos a prosseguir. Passeando, correndo, parando, avançando em direcção a… seguimos e/ou somos seguidos, tropeçamos, por vezes, caímos e reerguemo-nos… sentimos e somos sentidos, observamos e somos observados, ouvimos e somos ouvidos, entendemos e somos entendidos uma vezes mais ou melhor e outras vezes menos ou pior… emocionamo-nos e emocionam-nos“**.

Rute Rosas

* Wittgenstein, Ludwig. in Últimos Escritos sobre Filosofia da Psicologia, tradução: António Marques, Nuno Venturinha e João Tiago Proença. Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Educação e Bolsas, Lisboa. 2007. p. 91.

** Rosas, Rosas. Fragmento de texto escrito a propósito da intervenção, Caminhando… 2010, in A Autocensura como Agente Poético Processual da Criação Escultórica – Projectos, Processos e Práticas Artísticas – Tese/Obra, FBAUP. 2011. p. 46.

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